Quer beber alguma coisa?

Fazendo uso de palavras, acentos e sinais de pontuação na tentativa de traduzir os gritos e os sussurros da alma...

12 de junho de 2011

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Um dia desses, como de praxe, o sono resolveu fugir justo na noite que não deveria. Sabe aquele dia que você já prevê uma manhã seguinte cheia, milhões de coisas a fazer, que exigirão quase todas as suas energias? Pois é. Foi nessa noite que me perdi entre letras e frases. E um trecho qualquer que li me deixou intrigada: esbarrei justo no fascínio que tenho pelos sinais de pontuação. Surreal isso? Concordo. Mas é que, na época de escola, quando se falava do uso de cada um deles, minha grande preocupação era com a forma, com colocar cada vírgula em seu devido lugar. Nunca sobrava espaço para que meus olhos enxergassem os sentimentos que cada um deles carrega. E eu nunca havia pensado sobre isso. Entre tantas coisas, os sinais gráficos agora saltavam dentre as palavras como que gritando suas expressões.
Lembrei bem da minha alfabetização – 1989. Não sei a razão exata, mas lembrei também que a minha professora, Carmen, sempre sorria para os textos que eu produzia. Fiz uma retrospectiva até aquele ano e constatei o quanto sempre gostei dos sinais, de todos eles. Do quanto treinava a ‘voltinha’ do ponto de interrogação. Achava-o divertido e, além disso, ele sempre dava asas ao mundo dos porquês. Porquês que até hoje persistem, eu sei, em acompanhar nossa vida de seres humanos. Em me acompanhar com suas dúvidas e com a vontade de saber mais. Saber sobre a vida, sobre as coisas, sobre as pessoas (inclusive eu). Daí em diante a vírgula, sempre com suas restrições e os travessões que, enfim, deixavam aberta a oportunidade de falar. Dois pontos, ponto e vírgula, a exclamação com suas expressões. Até o ponto final, tantas vezes fatídico, anunciando um final muitas vezes não esperado. Tantos pontos, tantos sinais. Mas só agora percebi – relendo minhas próprias palavras – o quanto adoro as reticências.
Assim como o discurso, as palavras nos revelam. Muitas vezes até se parecem com espiãs, traidoras, mas na verdade elas nos denunciam porque nos traduzem em símbolos. E é aí, no meio delas que as reticências aparecem. Representando a possibilidade de continuar, de ir e vir, de deixar a porta aberta. Esses três pontos consecutivos carregam em si o desejo permanente de ir além do que está logo ali, adiante, nos esperando. É quase um ciclo natural das coisas. Nos caminhos da vida estamos sempre indo e voltando. Voltando talvez para mudar de onde se partiu, mudar o trecho percorrido ou simplesmente para buscar novamente o que um dia se perdeu no caminho. Particularmente, sinto que a ideia de poder voltar e continuar alivia a alma, recarrega forças e esperanças. Parece que imbuído nessa possibilidade vem o anuncio de ventos favoráveis, de boas notícias.
Tudo isso traduzido em reticências... Essas três tresloucadas bolinhas que apontam um universo inteiro pela frente. Que só me dizem para ir, ir além, ir mais uma vez e se preciso, voltar e ir de novo. Que gritam e saltam todas as vezes que as vejo dizendo para recusar os pontos finais, colocando quantas letras, palavras e frases esse universo permitir. E assim, a vida segue seu curso. Um trajeto em espiral, cheio de retificações, mas abarrotado de recomeços. Que nunca me faltem as reticências, porque enquanto elas existirem, farei muito seu uso, quantas vezes se fizer preciso...

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